A discussão sobre a aplicação de cotas raciais nos concursos públicos para cartórios, incluindo o provimento inicial e a remoção, integra um debate mais amplo sobre a efetividade das ações afirmativas no Brasil. Historicamente, as serventias extrajudiciais eram espaços elitizados, transmitidos por hereditariedade até a Constituição de 1988, perpetuando privilégios de determinadas famílias e barrando o acesso da população negra a cargos de prestígio e influência.

A substituição do modelo hereditário pelo concurso público representou um avanço importante, mas não eliminou os mecanismos de desigualdade racial. Nesse contexto, a Lei nº 12.990/2014 instituiu a reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais para candidatos autodeclarados negros, medida confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em decisões que consolidaram as cotas raciais como política de Estado. No Maranhão, a Lei nº 10.404/2015 seguiu o mesmo modelo, garantindo a reserva de vagas em concursos públicos estaduais, incluindo cargos da administração direta, autárquica e fundacional.

Apesar dos avanços legislativos, a implementação das cotas enfrenta resistência institucional. Relatórios da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP, 2021) e do Observatório Opará (2024) mostram que práticas como o fracionamento de vagas, sorteios arbitrários e notas de corte diferenciadas têm reduzido a eficácia da política, prejudicando candidatos negros mesmo quando aprovados em concursos.

No caso específico dos cartórios maranhenses, o Edital 001/2023 abriu 31 vagas para o concurso de remoção de serventias extrajudiciais, mas candidatas negras aprovadas, após decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram excluídas do referido concurso sob o argumento de que as cotas não se aplicam à fase de remoção. Especialistas e a Procuradoria-Geral da República destacam que a remoção, realizada por concurso público de provas e títulos, deve ser incluída nas políticas afirmativas, garantindo mobilidade funcional e acesso a posições de maior prestígio.

O respaldo jurídico é sólido: a Constituição Federal (arts. 1º, III; 3º, IV; 5º e 37) consagra princípios como a igualdade material e a vedação à discriminação. Precedentes do STF, incluindo a ADPF 186, a ADC 41 e a ADI 7654, reforçam que cotas raciais promovem igualdade substantiva e não ferem a isonomia formal. Além disso, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) e convenções internacionais ratificadas pelo Brasil impõem a adoção de medidas concretas para reduzir desigualdades raciais.

“A exclusão de candidatos negros no concurso de remoção mantém a desigualdade estrutural, restringindo a ascensão às serventias mais valorizadas e perpetuando barreiras históricas”, comenta Ana Luisa Araujo de Oliveira, coordenadora do Observatório das Políticas Afirmativas Raciais (Opará).

Nos próximos dias, um caso de cotas raciais em concursos de remoção nos cartórios do estado do Maranhão será julgado no STF. Caso o Supremo acolha a tese da Procuradoria-Geral da República, reafirmará o compromisso do Brasil com a justiça racial e a democratização do acesso a cargos estratégicos.

O Observatório Opará defende que a aplicação integral das cotas raciais nos concursos de remoção nos cartórios é essencial para transformar direitos legais em realidade social. Não se trata de criar privilégios, mas de corrigir distorções históricas, garantindo que negros e negras não apenas ingressem, mas também ascendam, consolidando a democracia racial como projeto constitucional e rompendo com práticas excludentes herdadas do passado.

Confira a posição do Observatório Opará na Nota Técnica nº 12/2025 – Cotas Raciais em concursos públicos por critério de remoção de cartórios: a perspectiva do Observatório Opará.

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