Relatório aponta fraudes na efetivação da lei de cotas nas instituições de ensino federal
Wagner Machado
Movimento Negro Unificado entregou ao TCU pesquisa que demonstra como o racismo institucional impede a plena eficácia da Lei nº 12.990/2014.
Passada uma década desde o início da criação da Lei nº 12.990/2014, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para servidores, a mesma não se efetuou conforme determina a regra. O apontamento faz parte do relatório “A implementação da Lei nº 12.990/2014: um cenário devastador de fraudes”, produzido por um consórcio de pesquisadores e pesquisadores em parceria com o Movimento Negro Unificado (MNU). O estudo reflete a indignação diante do racismo estrutural e institucional que provocou um flagrante de retirada de direitos da população negra. Para ler o documento na íntegra, acesse:
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Para realizar a pesquisa e chegar à conclusão acima foram reveladas 61 instituições, sendo 56 nos segmentos de instituições federais de ensino e cinco de segmentos diversos do serviço público federal. Dessa forma, houve a participação em aproximadamente 10 mil editais de processos de seleção, publicados no período de 10 de junho de 2014 a 31 de dezembro de 2022. Ao todo, foram abertas mais 46.300 vagas. A partir da análise do edital e, em um cenário com a concentração de vagas de certos indivíduos no único edital mensal, o resultado evidencia que 9.122 vagas9 tinham o potencial de terem sido reservadas e pessoas negras poderiam ter ingressado no serviço público federal pela Lei nº 12.990/2014. Fato que ocorreu, não por falta de qualificação dos candidatos, mas por burlas intencionais ou não do sistema. A Lei de Cotas Raciais não foi inovadora na integralidade. Além disso, foi realizada uma perícia econômica e financeira para identificar o impacto provocado pela ausência de 20% das reservas de vagas nos editais. Os valores entre concursos públicos e processos seletivos simplificados chegam a R$ 3.570.289.280,40. Responsável pela perícia, o pesquisador do Insper e também economista, Alisson Gomes dos Santos, ressalta que a pesquisa revela apenas uma parte dos efeitos da não aplicação da lei. “Considerando que não tivemos acesso a todos os dados e a perícia foi de apenas algumas instituições, R$ 3,5 bilhões deixaram de chegar na comunidade negra é apenas a ponta do iceberg”.
A docente da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e coordenadora do relatório, Ana Luisa Araujo de Oliveira, destaca que o estudo teve como objetivo realizar uma análise da implementação da Lei n° 12.990/2014 em instituições federais, principalmente as instituições de ensino. “Buscamos compreender as razões que explicam a eficácia de 0,53% de nomeados para a carreira de Professor do Magistério Superior. Este resultado foi publicado em 2021, em relatório produzido pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em parceria com outras instituições. Os resultados nos mostraram que a reserva de vagas nos editais não se efetuou como esperado”.
Os resultados encontrados na pesquisa coordenada por docentes e outros pesquisadores, demonstram a negativa de direitos à comunidade negra e revelaram-se como uma frequência sistêmica, impedindo o acesso de autodeclarados pretos ou pardos à reserva de vagas previstas na Lei nº 12.990/2014.
Ana Luisa explica que foram encontrados 6 tipos de possibilidades de não efetivação da lei e que ocasionaram um fracasso programado na reserva de vagas a negros e negros nos editais: Fracionamento do Cargo por Área (quando uma carga pública efetiva é fracionada em categorias menores impedindo o alcance do número mínimo de vagas, que é de três vagas), Não Publicidade da Norma (quando a instituição deixou de mencionar nos editais a obrigatoriedade da implementação das cotas). Fracionamento de Elegíveis (quando o edital exige restrição de forma a selecionar as pessoas negras elegíveis para a reserva de vagas, solicitando apenas a determinadas vagas e vagas não a totalidade daquelas abertas nos certas), Fracionamento de Carga por Localidade ( quando a instituição distribui as vagas por localidades de atuação do futuro servidor público), Fracionamento de Carga por Editais (quando as instituições dividem um determinado número de vagas de carga em diferentes editais), Fracionamento de Carga por Descentralização (quando há descentralização administrativa para a abertura de editais).
Apesar de tudo, destacamos que foram identificadas seis instituições que implementam a Lei de Cotas Raciais – UFRGS (2018), FURG (2019), UFU (2021), UFPE (2021), UFCSPA (2022) e UNIVASF (2022). Especificamente na Universidade Federal de Uberlândia foi identificada, inclusive, iniciativa de reparos das vagas em andamento, assim como recentemente a UFPEL publicou nota da gestão de discussão iniciada na mesma direção.
Rosenilda Ferreira, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), afirma que a Lei nº 12.990/2014 representa uma grande conquista na direção dos componentes. No entanto, os anos passaram e foram percebidas as mudanças almejadas com a regra. “Buscamos entender as razões que explicassem o baixo ingresso de negros e negras nos concursos públicos, principalmente nos centros de produção do conhecimento científico representados pelas instituições de ensino. Esperamos que o poder público acolha este relatório e tome as medidas cabíveis para os acessórios e implementação da Lei nº 12.990/2014. Assim, como lutaremos pela renovação da Lei de Cotas Raciais em concursos públicos e processos seletivos simplificados”, reflete.
Diante do silêncio do Estado brasileiro perante a retirada dos direitos da população preta e parda, principalmente por parte das instituições de ensino, especialmente as universidades federais, o relatório traz soluções factíveis para que os objetivos das leis de cotas raciais sejam efetivamente alcançados. Entre elas, destacam-se: Criar o Fundo de Reparação Financeira com o objetivo de reparar o passivo financeiro decorrente da não implementação efetiva da Lei nº 12.990/2014; e apoiar a criação de Comissões da Verdade sobre a Implementação da Lei nº 12.990/2014 em todos os órgãos de administração pública direta e indireta, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica, bem como realizar uma auditoria da implementação da Lei nº 12.990/2014 e convocar reitores e reitores para apresentação e discussão ampla, profunda e rigorosa dos dados do relatório “Implementação da Lei nº 12.990/2014: Um cenário devastador de fraudes.